quarta-feira, 21 de abril de 2010

Produção e difusão de música, ontem e hoje – Pontos de vista sobre algumas mudanças (parte 2 de 2)

Continuação do post anterior.

Nos meios de produção


        As gravadoras, além de contribuírem para esse mercado de música excludente, alimentando esse sistema com o jabá, não permitem a inclusão de artistas com estilos musicais diferentes dos conhecidos pela grande massa. Não gravam os mesmos, ignoram sua existência. Optam sempre por artistas que vendem discos, pensam sempre no mercado. Ficam com medo de arriscar. Mostram-se incapazes de saber o que as pessoas querem ouvir e tentam dizer o que devem ouvir. Chegam a fabricar artistas, vendem um produto, vendem uma embalagem, porém muitas vezes não existe um conteúdo. Volta e meia vemos da noite para o dia uma febre musical acontecer. Um determinado estilo de música vira a bola da vez. Será por acaso? De repente surgem dezenas de artistas produzindo esse determinado estilo, e o público como que em sintonia já esperava por esse momento chegar? Não! Isso não passa de uma aposta feita pelas gravadoras. Elas determinam qual será a moda para o ano e investem pesado no jabá, explorando o que podem espaços em rádio e televisão. O que vemos são artistas que não passam de meros fantoches, montados e manipulados pelas gravadoras. Terão os seus momentos de fama, glória, e posteriormente cairão no esquecimento quando chegar a próxima febre do momento.
        Um filme que mostra que a seletividade muitas vezes injusta das gravadoras já ocorre há muito tempo, é Johnny e June (Walk the Line). Trata-se da cinebiografia do cantor Johnny Cash, interpretado por Joaquin Phoenix. O “Homem de Preto”, assim chamado pelos fãs, por quase sempre trajar preto nas apresentações públicas, nasceu em 26 de fevereiro de 1932 na cidade de Kingsland, localizada no Estado americano de Arkansas. Teve uma infância difícil, com uma família pobre, um pai alcoólatra e violento; teve de trabalhar em campos de algodão desde os 5 anos de idade. Em meio ao trabalho no campo, ele e sua família cantavam. O cantor sofreu, ainda quando criança, uma perda que o marcou para o resto da vida: um acidente em uma serra levou seu irmão mais velho, Jack, à morte. Sua carreira musical começou quando jovem, tocando violão e compondo suas primeiras canções. Uma de suas músicas mais famosas, “Folsom Prison Blues", ele compôs enquanto servia à Força Aérea Americana na Alemanha. Após sua dispensa casou-se, mudando para Memphis, Tennessee. Trabalhando como vendedor e estudando para ser locutor de radio, Johnny Cash se apresentava a noite com mais dois músicos. O seu primeiro contato com uma gravadora acontece, como mostrado no filme, quando ao passar em frente a Sun Records vê um grupo de músicos adentrarem o prédio. Ele toma coragem e vai até uma porta ao lado do estúdio de gravação. Ao adentrar a sala, observa Sam Phillips no comando dos equipamentos de gravação e no fundo, do outro lado do vidro, o grupo de músicos. Sam, o dono da gravadora, ao perceber a presença de Cash lhe oferece literalmente uma porta na cara. Mas ele não desiste da ideia de gravar suas músicas. Um dia, ele espera Sam Phillips em frente à gravadora, vai até ele, apresenta-se, pergunta-lhe sobre as gravações, e Sam, indiferente, lhe diz para marcar uma audição com sua secretária. E ele o faz. Volta com os músicos de sua banda e apresenta suas músicas de gênero gospel. Sam, entediado, os interrompe e diz não vender música gospel, não gravar material que não vende, diz não acreditar em Cash. Após muito argumentar, Cash tem mais uma chance e apresenta-lhe “Folsom Prison Blues", que garantiu a gravação do disco. Por pouco o caminho de sucesso de Cash quase foi interrompido.
        Se nesse passado, não tão distante, o artista era obrigado a se submeter as imposições de quem detinha os meios de produção musical para poder ter e ver sua obra registrada, isso, hoje, já não é necessário, pois esses meios de produção, que consistiam em uma série de equipamentos analógicos, existem hoje sob forma virtual e digital, dentro de um computador, e estão acessíveis de maneira democrática a quem se propuser a aprender utilizá-los por conta própria ou contratando serviços de estúdios. Isso passou a ser realidade com a popularização dos softwares de produção de áudio a partir do ano 2000, popularização esta que é alvo de criticas por muitos, devido ao aumento do número de pessoas não especializadas produzindo materiais muitas vezes de qualidade técnica questionável. O que na minha opinião não é um fato preocupante, tendo em vista que de nada vale, por exemplo, uma música ser registrada com todo um aparato técnico de ponta e operado pelos melhores especialistas, quando o conteúdo criativo propriamente dito desta obra intelectual é questionável, por mais relativo que sejam os aspectos envolvidos nesta avaliação. Além do que, acredito que mesmo o público menos especializado é capaz de diferenciar um registro de áudio com qualidade técnica de outro sem.


Hoje: espírito punk cada vez mais em voga


        Como visto até aqui, hoje o artista não precisa necessariamente se submeter à algumas situações, como as que foram expostas, para registrar seu trabalho e difundir o mesmo. O artista, hoje, pode escolher ser dono de seu trabalho, pode ter total controle sobre ele, escolher como vai registrá-lo e como vai distribuí-lo. Cada vez mais são eliminadas as barreiras entre quem produz e quem consome arte, são eliminados os intermediários, que acabam, de certa forma, selecionando o que vai ser produzido e o que vai ser consumido, quem vai produzir e quem vai consumir. Tudo graças aos avanços tecnológicos, que historicamente mudam as formas das pessoas se relacionarem com as outras e com a arte. O fato é que hoje o espírito punk do “faça você mesmo” está cada vez mais em voga. Esse espírito que teve início com a cena punk, tendo seu marco no lançamento do primeiro fanzine punk, o Sniffin' Glue ("cheirando cola"), produzido pelo jovem Mark Perry, que empolgado após ver um show da banda Ramones, decide divulgar de forma independente, com o fanzine, a cultura punk nascente. Existem varias formas de definir o principio DIY (do it yourself), dependo da aplicabilidade do mesmo, porém vou citar um trecho da definição encontrada na Wikipédia que aplica-se ao que foi tratado nesse artigo, e que na minha opinião, define, em parte, o espírito do projeto Livre Para Criar Música:

O faça você mesmo, concebido como princípio ou ética, questiona o suposto monopólio das técnicas por especialistas e estimula a capacidade de pessoas não-especializadas aprenderem a realizar coisas além do que tradicionalmente julgam capazes.


FONTES

WALK THE LINE. Direção de : James Mangold. Produção: James Keach; Cathy Konrad. Intérpretes: Joaquin Phoenix; Reese Witherspoon; Ginnifer Goodwin; Robert Patrick; Shelby Lynne. Roteiro: Johnny Cash (1); Patrick Carr; Gill Dennis (1); James
Mangold. United States: 20th Century Fox Film Corporation, 2005. 1 DVD (135 min).

WALK THE LINE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2010. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Walk_the_Line&oldid=352425591>. Acesso em: 31 mar. 2010.

JOHNNY CASH. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2010. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Johnny_Cash&oldid=19480530>. Acesso em: 2 abr. 2010.

CULTURA PUNK. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2010. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cultura_punk&oldid=19418074>. Acesso em: 31 mar. 2010.

FAÇA VOCÊ MESMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2010. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Fa%C3%A7a_voc%C3%AA_mesmo&oldid=18676244>. Acesso em: 31 mar. 2010.

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